domingo, 9 de junho de 2013

Projeto visa entender autismo a partir de dentes de leite


"A Fada do Dente" estuda neurônios de crianças autistas a partir da reprogramação de células da polpa dentária


Jean-Philippe Ksiazek/AFP


Pessoa com autismo
Garoto com autismo: projeto arrecada dentes de leite de crianças com autismo
São Paulo - O Projeto A Fada do Dente, desenvolvido pela bióloga Patrícia Beltrão Braga e sua equipe, em parceria com o professor Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, arrecada dentes de leite de crianças com autismo. Com as células da polpa do dente, a pesquisadora realiza uma reprogramação celular, transformando-as em células-tronco que são diferenciadas em neurônios. 
Esse processo permitiu identificar diferenças biológicas nos neurônios com autismo, estudar seu funcionamento e até mesmo testar drogas. O projeto tem como sede a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP e recebe dentes de crianças de todo Brasil.
A pesquisadora passou o ano de 2008 em contato com Muotri aprendendo a técnica de reprogramação celular desenvolvida pelo médico japonês Shinya Yamanaka, vencedor do prêmio Nobel de medicina de 2012. Yamanaka conseguiu desenvolver um método para reprogramar uma célula já adulta (no caso células da pele), transformando-a em uma célula-tronco semelhante às embrionárias, ou seja, as células maduras são rejuvenecidas até a fase correspondente a 6 ou 7 dias após a fecundação do óvulo com o espermatozoide.
O projeto A Fada do Dente teve início em 2009, após as tentativas de aplicação do método terem sido bem-sucedidas aqui no Brasil. Patrícia escolheu as células da polpa do dente por ter familiaridade no trabalho com elas e pela facilidade de obtenção.
 Outros procedimentos para recolhimento de neurônios — como métodos de receptação após o óbito, por células sanguíneas ou até mesmo estudos com modelos animais — não garantem neurônios funcionais ou com a carga genética de um paciente, mas o método da reprogramação permite.
O estudo das características dos neurônios permitiu identificar diferenças morfológicas nessas células das crianças autistas quando comparadas com as mesmas células de uma criança não autista. “Esses estudos permitem que se entenda mais sobre a biologia da doença”, explica Patrícia.
Como os neurônios estão em placas é possível também fazer experimentação com fármacos em busca de alterações nessas diferenças morfológicas, visando uma recuperação. Os testes ainda estão no início, mas já constituem um avanço em comparação com o que se descobriu nos últimos 20 anos.
As células embrionárias ou pluripotentes, são células-tronco que podem se transformar em qualquer outro tipo, inclusive em neurônios funcionais. No projeto, as células da polpa do dente são separadas e nessa cultura são aplicados vírus recombinantes contendo genes exógenos expressos nas células embrionárias.
A partir da ação deles, as células são reprogramadas tornando-se células pluripotentes induzidas, ou seja, são células impelidas a se comportarem como células pluripotentes e posteriormente elas são diferenciadas e transformadas em neurônios para que esses sejam estudados comparativamente. O processo pode ser melhor entendido na figura abaixo:
Reprodução
Processo de reprogramação da célula e diferenciação em neurônios
Processo de reprogramação da célula e diferenciação em neurônios
“A gente brinca que as células são colocadas no túnel do tempo: a célula da polpa do dente é a mais velha e a célula pluripotente induzida é uma célula mais jovem”, simplifica Graciela Pignatari, pesquisadora da equipe que compõe o projeto.
Aqui no Brasil, usando as células de polpa de dente e os vírus produzidos, a pesquisadora conseguiu obter as células pluripotentes induzidas.
“Fizemos uma série de testes para ver se elas haviam de fato sido reprogramadas e então comecei o projeto A Fada do Dente”, explica Patrícia.
Como participar do projeto?
Os pais, cujos filhos são diagnosticados com autismo, devem entrar em contato com os pesquisadores do projeto por meio do email projetoafadadodente@yahoo.com.br. 
Os pais cadastrados recebem um kit para colher o dente quando ele cair ou for retirado. O kit visa manter as células do dente vivas para que cheguem em condições viáveis para estudo no laboratório: ele contém um frasco com um líquido para preservar as células e gelo reciclável para manter o dente gelado. O dente não pode ser congelado nunca.
Caso o dente caia e o kit não esteja por perto, a indicação é colocar dentro de um copo com água filtrada e deixá-lo na geladeira, para que a polpa não seque e as células não morram. O dente precisa ser colhido com rapidez para que as células sejam viáveis.