sábado, 16 de junho de 2012

“EDUCAÇÃO INCLUSIVA: Será que sou a favor ou contra uma escola de qualidade para todos???”


O artigo abaixo, escrito pela educadora Windyz B. Ferreira*, foi enviado pela psicóloga Denise Martins, que também é uma árdua batalhadora dos direitos das pessoas com deficiência.
Confesso que este artigo é o melhor que já li sobre Educação Inclusiva, um tema que possui muitos conceitos e muitas nuances.
Também fui abordada com uma questão igual quando proferi uma palestra para professores de Escola Municipal. Daí me dei conta da abrangência do meu tema, pois os professores, mais que ninguém sabem muito bem que a educação inclusiva vai além da pessoa com deficiência.
Este artigo pode mudar o conceito arraigado e limitado que estamos acostumados.
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Hoje, as expressões educação inclusiva, inclusão, necessidades especiais, fracasso escolar, evasão, formação de professoras, gestão participativa, projetos educacionais, e muitas outras fazem parte de nosso dia-a-dia trabalhando no sistema educacional brasileiro. Aonde quer que eu vá, seja em São Paulo ou no sertão Pernambucano, escuto sem- pre as mesmas preocupações, os mesmos dilemas e os mesmos desafios. Poderia dizer também que escuto as mesmas queixas e dúvidas…
Direitos da Pessoa com Deficiência e Inclusão nas Escolas
Passos para uma sociedade inclusiva
Inclusão e diversidade
Dos gestores:
” A escola não possui professores ou recursos especializados… desculpe…” Nós não temos classes especiais e nossos professores não estão preparados para receber crianças com deficiência. NÃO podemos aceitá-lo.
Dos gestores e professores:
” Eu não sou contra a inclusão… mas como receber uma criança com deficiência numa sala com mais de 40 crianças???”
” Criança com necessidade especial? Ah! Sim, temos uma professora que é maravilhosa. Ela adora essas crianças e aceita ficar com elas na sua classe…”
Dos professores:
” Eu entendo e concordo que todas as crianças têm os mesmos direitos à educação, mas como eu vou dar conta de todos os meus alunos (as) e ainda dar” atenção” e cuidar de uma criança com deficiência?”
” Eu não estou” preparada” para receber uma criança” especial” na minha sala de aula.”
Acredito que todas essas falas aqui mencionadas tenham eco no âmbito da experiência de todos… Afinal, como tenho ouvido de muitos  ducadores, gestores, e até mesmo de pessoas com deficiência, pessoas que trabalham na área de educação especial e pais, etc: “não é justo que uma criança com deficiência seja matriculada em uma escola onde ela não será aceita, na qual os professores não estão preparados para recebê-las e onde não há recursos para responder às suas necessidades!”
Agora dirijo meu olhar para ou tro aspecto da vida escolar. Vamos falar um pouco das crianças que não têm deficiência…
Nas minhas andanças pelas escolas brasileiras de vários estados quando sou convidada para falar sobre educação inclusiva ou coordenar algum projeto sobre abordagens de ensino inclusivas, tenho também escutado professores e gestores falando sobre outros problemas que afetam a comunidade escolar, os quais envolvem estórias de violência, prostituição, tráfico de drogas, assassinatos, brigas, medos, etc. O medo é muito grande e as estórias são às vezes assustadoras… Tendo como pano de fundo este tipo de problemas comunitários, é comum eu ouvir os seguintes depoimentos:
“Imagine, eu sou professora de 4ª. Série e muitos de meus alunos (a) ainda não sabem ler! Não é fácil…” Como meu (s) aluno (s) pode (m) aprender se vivem naquele ambiente horrível? A comunidade onde esta escola está inserida é muito pobre e aqui acontecem coisas horríveis. Há muita violência, os pais são embriagados e as mães muitas vezes prostitutas… essas crianças não têm como aprender ou receberem apoio em seus estudos nessas condições.
“Eu queria fazer uma revisão… quando perguntei aos alunos o que sabiam sobre o que eu tinha ensinado durante um semestre, os alunos me deram os tópicos do programa da disciplina. Quando perguntei-lhes o que tinham aprendido, eles responderam: Nada! E quando perguntei o que queriam aprender… disseram novamente: Nada! Descobri que tudo o que eu ensinei para minha turma de 5ª. Série não tinha sido aprendido.”
“Você tem ideia do que seja dar aula por aqui?! A gente vive aterrorizada com a violência local e essas crianças não têm valores ou respeito pelo outro. Como vão aprender a se com- portar na sala de aula? Como vão entender a importância da educação para as suas vidas?” “Imagine que meu aluno um dia me disse: porque vou per- der meu tempo com a escola se meu pai nunca estudou e ganha muito bem com o tráfico de drogas?”
Em meio a tantas restrições baseadas na crença do despreparo da escola e dos professores para receber crianças com deficiências, somado aos problemas sociais que afetam a população, que tem tentado sobreviver às desigualdades sócio econômicas. Eu coloco as seguintes questões:
Quem na sua escola tem necessidades educacionais especiais? Quem é considerada uma criança com deficiência? O que é deficiência e o que é ser ‘deficiente’? Qual é a diferença entre necessidades educacionais que foram geradas por uma deficiência e necessidades educacionais que foram geradas por uma deficiência social e econômica? Qual é a diferença real entre crianças com deficiência que não têm acesso à escola ou são discriminadas na sala de aula e crianças sem deficiência que fracassam na escola, se evadem e são marginalizadas socialmente?
Qual é a diferença real  se ambas são excluídas e têm violado seu direito fundamental à educação? A Educação Inclusiva tenta ser uma resposta a tantas indagações…

A educação inclusiva como resposta às necessidades especiais de todas as crianças
A Educação Inclusiva surgiu, e vem crescendo no mundo inteiro, com base no pressuposto de que TODA criança tem direito à educação de qualidade e de que, portanto, os sistemas educacionais têm que mudar para poder responder a essas necessidades. Na educação inclusiva defendemos que TODAS as crianças SÃO ESPECIAIS e, por isso mesmo, devem receber o que a escola tem de melhor–em outras palavras todas as escolas devem ser especiais. Como crianças especiais, TODAS têm direito de acesso à educação e de conviver com as crianças de seu próprio bairro, seus irmãos, seus colegas, seus pais ou familiares e TODAS merecem nossa atenção, cuidado e aperfeiçoamento.
A Educação Inclusiva, portanto, não diz respeito somente às crianças com deficiência–cuja grande maioria no Brasil ainda permanece fora das escolas, porque nós nem tentamos aceitá-las–mas diz respeito a todas as crianças que enfrentam barreiras: barreiras de acesso à escolarização ou de acesso ao currículo, que levam ao fracasso escolar e à exclusão social. Na verdade, são essas barreiras que são nossas grandes inimigas e devem ser foco de nossa atenção para que possamos identificá-las, entendê-las e combatê-las.
Embora aqui, nossa atenção esteja centrada na realidade educacional brasileira, a realidade da exclusão educacional dos chamados “grupos sociais vulneráveis ou grupos de risco” é uma realidade mundial que também afeta os grupos que vivem em situação de desvantagem nos países ricos. Grupos sociais em risco de exclusão se referem a crianças e jovens que vivem nas ruas, crianças que sofrem maus-tratos e violência doméstica, crianças e jovens com deficiência, meninas que são levadas a se prostituírem, crianças e jovens com o vírus do HIV/ AIDS, com câncer ou outra doença terminal, crianças e jovens que estão em conflito com a lei, crianças negras e indígenas e outros grupos que, por razões distintas, sejam produto da desigualdade social e econômica e, principalmente, sejam objeto de discriminação e preconceito dentro e fora das escolas.
São exatamente esses grupos sociais que estão no coração da educação inclusiva. Esta se caracteriza como um movimento em defesa da escola de qualidade para todos, nas quais todos–gestores, professores, alunos, técnicos, profissionais, comunidade–estejam comprometidos com a melhoria da escola para todos os membros da comunidade escolar e a valorização de todos por meio do desenvolvimento pessoal e profissional.
O movimento da educação inclusiva no mundo
Mundialmente a atenção que tem sido dada ao sistema educacional como um todo tem crescido significativamente após a publicação da Declaração Mundial de Educação para Todos e Diretrizes de Ação para o Encontro das Necessidades Básicas de Aprendizagem (Jomtien, Tailândia) em 1990, que declara que:
“todas as pessoas têm o direito fundamental à Educação e que a educação para todos representa um consenso mundial de uma visão muito mais abrangente de educação básica, assim como representa um renovado compromisso para assegurar que as necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças, jovens ou adultos serão encontradas, efetivamente, em todos os países.”(Haddad, Prefácio, 1990)
O movimento da Educação para Todos introduziu nas agendas governamentais de todos os países temas tais como a necessidade de melhoria da gestão com vistas ao desenvolvimento escolar, a importância de se investir na formação de professores, a relação entre ao ensino, a aprendizagem e a diversidade humana existente nas salas de aula. Todos estes temas estão diretamente relacionados à mudanças pelas quais a escola deve passar para responder às necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças. Como sabemos, esses temas têm sido constante foco de debate nacional e constitui o fundamento do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade e do Projeto Educar na Diversidade, ambos da Secretaria de Educação Especial do MEC.
Na mesma linha de busca de respostas à diversidade humana existente nas escolas e procurando reforçar o compromisso com a Educação para Todos, a Declaração de Salamanca, Princípios, Política e Prática em Necessidades Educacionais Especiais, 2 publicada em 1994, defende que o princípio da Inclusão através do reconhecimento da necessidade de ir ao encontro da escola para todos que são instituições que incluem todas as pessoas, celebram as diferenças, apóiam a aprendizagem e respondem adequadamente às necessidades individuais. Assim, estas instituições constituem-se uma importante contribuição para a tarefa de adquirir Educação para Todos e para fazer escolas educacionalmente mais efetivas.” (Mayor, 1994, p. iii-iv).
Apesar do intenso debate sobre a necessidade urgente de transformação do sistema regular de ensino em um ambiente mais inclusivo, justo e mais democrático, as resistências ainda são muitas e, consequentemente, o progresso em direção a escolas mais inclusivas ainda é limitado. Mas o que seriam estas “tais” escolas inclusivas?
Escolas Inclusivas são escolas que devem levar em conta TODAS as crianças e suas necessidades educacionais, pessoais, emocionais, familiares, etc. Uma escola inclusiva deve ser humanística, no sentido de assumir a formação integral da criança e o jovem como sua finalidade primeira e última. Uma escola inclusiva não pode somente se referir a um grupo social em desvantagem e excluído (mais frequentemente conhecido como o grupo das crianças com deficiência), mas deve, ao invés disso, se comprometer e lutar pelo direito de todos aqueles que vivem em situação de risco, como resultado de uma sociedade injusta e desigual que privilegia os que têm em detrimento daqueles que nada possuem.
Na minha jornada pessoal e profissional, tenho visto muitos professores sem recursos materiais algum e que possuem, sem dúvida, um coração inclusivo. Mas estes ainda me parecem poucos, diante do exército de professores que ainda acreditam que as escolas somente servem para os que são mais afortunados, possuem famílias estruturadas ou que são intelectualmente mais preparados. A professora com um coração inclusivo, independentemente das condições existenciais precárias de seus alunos, busca com sua ação pedagógica criar igualdade de oportunidades para combater a desigualdade existente na sociedade. Esta professora terá, contudo, uma atenção profissional especial àqueles que são massacrados pelas condições em que vivem. Será que todos nós não poderíamos tentar fazer parte de um movimento que busca a igualdade de oportunidades que nós gostaríamos de ver para os nossos próprios filhos?
O movimento pelas escolas inclusivas tem como principal objetivo romper com as práticas didático-pedagógicas autoritárias e alienantes, que não reconhecem o papel fundamental do aluno no processo ensino-aprendizagem. As práticas que aprendemos nas universidades ou no dia-a-dia das escolas são práticas que veem o aluno como um mero recipiente de conhecimentos. Não reconhecem a experiência e os conhecimentos que o aluno já possui. Desta forma, tais práticas não promovem a autonomia na aprendizagem ou parceria para a construção do conhecimento. A escola que conhecemos quer sim controlar o estudante, amordaçá-lo e silenciá-lo. É muito comum ouvir professores dizendo que “não tem como controlar a turma.” Mas será que o controle é a resposta a este novo aluno? Eu acredito que a escola que aí está não reconhece no estudante um sujeito de sua história e, portanto, lhe nega o direito à contribuir na construção de sua cidadania, por isso, os estudantes reagem e provocam sérios conflitos de poder dentro das escolas.
Tendo identificado alguns dilemas no âmbito de nosso sistema educacional e nossas escolas, vamos agora voltar nosso olhar para o conceito de inclusão. Este é um conceito que está ainda sendo construído: no mundo inteiro podemos encontrar diferentes definições em diferentes lugares. Por não haver ainda uma clareza conceitual, falar sobre educação inclusiva gera desacordos e divergências, as quais por sua vez, criam turbulências nas escolas: desentendimentos, resistências, às vezes “rachas e fofocas…” Enfim, uma série de conflitos que, com certeza, não fazem bem para nenhum dos membros escolares e também não levam a lugar nenhum. Assim, vamos olhar para este conceito a distância e vamos refletir juntos sobre o que há de consensual entre os autores que já o definiram.
CONTINUA…
*Windyz Ferreira é PhD. em Educação e Mestre em Pesquisa Educacional pela University of Manchester (Inglaterra). Realiza pesquisa e consultoria (nacional e internacional) no campo da Educação Inclusiva, Formação de Professores e na área de Deficiência. É consultora do Banco Mundial, UNESCO e Save the Children Reino Unido e Suécia). Atualmente, é coordenadora do Projeto Educar na Diversidade da SEESP/MEC.
Fonte: INCLUSÃO-Revista da Educação Especial-Out/2005