segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Viajar, conhecer, aprender e passear sem limites.

Que texto maravilhoso extraído do blog Bengala Legal.Izabel Maior fala com categoria, experiência e inteligência, que lhe é peculiar._________________________________________________________________________________
15/10/2011 - Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior*

Amigas e amigos, tenho uma história interessante para partilhar com vocês. Ano passado, vivi uma experiência inédita em Washington, a bonita capital dos Estados Unidos. Nem imaginava que existisse um intenso turismo noturno que roda a cidade mostrando os pontos principais. São cerca de duas horas e meia, saindo da Grande Estação do metrô, em microônibus com guias, sendo que alguns desses veículos dispõem de acesso facilitado para pessoas com mobilidade reduzida e para as pessoas cadeirantes. Os passeios em transporte acessível são tão procurados que você precisa chegar antes para garantir seu espaço. Saibam que os locais visitados ficam repletos de turistas do país e do exterior. Esse tipo de visita é uma novidade para nós brasileiros, pois requer segurança e organização, entretanto é muito procurada em outras cidades.
A capital Washington concentra museus, marcos referentes aos pioneiros e presidentes, a famosa Casa Branca (atualmente moradia da família Obama), o Capitólio (sede do Legislativo que tem uma cúpula alta que não pode ser ultrapassada por nenhuma outra construção) e a maior coleção de livros do mundo, na Biblioteca do Congresso. À noite, não se podem visitar essas construções internamente, mas a iluminação e os arredores dão uma excelente noção da beleza e da conservação desses prédios históricos.
É claro que ajuda muito falar ou entender as informações em inglês, mas cada vez mais o espanhol se espalha naquele país e facilita que brasileiros se comuniquem e possam conhecer melhor o que foram visitar. Mesmo assim, ninguém deve se espantar com esse item, já que as excursões brasileiras oferecem guias que falam português (mas ainda não há intérpretes de língua de sinais, em qualquer dos idiomas).
A cidade é a sede do governo (a Brasília) e lá estão os ministérios, Pentágono, FBI, etc. Meu foco são os memoriais, majestosas edificações destinadas a homenagear e perpetuar a contribuição de Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, George Washington, apenas para citar alguns dos Pais da Pátria e memoriais de antigos presidentes norte-americanos, como F.D.Roosevelt, que governou o país durante a II Guerra Mundial. O presidente Roosevelt é mostrado em uma cadeira, envolto por uma capa, fato que evidencia que foram poucas suas aparições públicas como cadeirante, resultante de sequela de poliomielite. A sua deficiência era quase sempre escamoteada, pois poderia ser interpretada como “incapacidade de governar”. A história comprovou o oposto e o sucesso dele ainda serve de exemplo nos dias de hoje, ainda que paradoxalmente, porque Roosevelt não foi um militante da causa das pessoas com deficiência.
Tive a necessidade de fazer um tour noturno e não foi apenas a curiosidade que me levou a essa aventura. Acontece que a cidade concentra diversos organismos internacionais e, quem vai a trabalho, como foi o meu caso, encontra no turno da noite a oportunidade de trazer consigo um pouco de cultura e lazer. Mas vale mencionar que também os turistas com tempo de sobra não dispensam ver os lugares durante o dia e revê-los sob o brilho mágico das luzes, as quais conferem maior imponência aos pontos turísticos visitados.
Enquanto escrevo, relembro o que pude conhecer e tento imaginar que destinos permitem ao turista cadeirante escolher nosso país para passar as férias. Para mim e outras milhões de pessoas com deficiência do Brasil, a maioria das escolhas ainda é pouco plausível. São poucos os roteiros que nos permitem curtir como qualquer cidadão. Não é mania de dizer que fui ao exterior, mas sim uma grande dificuldade de encontrar as condições de acessibilidade que outros países, por seguirem a legislação e por terem visão de mercado consumidor, proporcionam às pessoas idosas – que no Brasil já são mais de 20 milhões e às pessoas com deficiência ou limitação do caminhar (com possibilidade de se deslocar com bengalas ou em suas cadeiras de rodas manuais ou motorizadas). Da mesma forma oferecem acessibilidade às pessoas cegas e às pessoas surdas (que se comunicam com a língua de sinais) e às pessoas com deficiência intelectual, que como de hábito, viajam com suas famílias ou amigos.
Todas, sem exceção, igualmente apreciam e aproveitam cada chance de conhecer lugares novos, comidas típicas, artesanato e diferentes manifestações culturais. A pergunta é: será que conseguem? Quando estarão disponíveis pontos turísticos e roteiros acessíveis em nosso país? Não é por falta de leis e decretos. É a falta de percepção social e mesmo de tino comercial que perpetua a segregação imposta no universo do turismo, entretenimento e cultura.
É muito diferente chegar ao pé da escadaria do Memorial de Lincoln, fachada tão nossa conhecida dos filmes, e não se sentir excluída da visão que lá de cima se tem do Capitólio, da grande avenida chamada National Mall, onde se alinham de cada lado, os museus da Fundação Smithsoniana, mantida por doadores das grandes empresas. Os ingressos são gratuitos e se pode desfrutar de História Natural, Arqueologia, Artes, Jardins e uma moderna coleção destinada à era espacial. São duas dezenas de museus, cultura à disposição de todos, com cada um dos recursos de acessibilidade (braile, audiofone, intérpretes de língua de sinais, legendas).
Mais impressionante para mim foi não olhar as escadarias como barreiras. Estão ali como parte dos monumentos e você não precisa ficar imaginando como subir. É bem mais simples do que parece, pois uma placa com o símbolo internacional de acesso (fundo azul e silhueta lateral de uma pessoa sentada na cadeira de rodas em branco, com proporções padronizadas) vai orientar o caminho a seguir até uma rampa ou um elevador que lhe dará o mesmo direito de ser turista ávido por tirar fotos do que mais o encantou. De quebra, cada um pode aproveitar para conhecer como é possível construir acessibilidade nos espaços físicos e acesso às informações, sem desfigurar edificações históricas concebidas há alguns e há muitos séculos atrás. Peço licença para viajar à Itália e me referir ao Coliseu Romano, somente para dizer que achar um elevador transparente entre colunas foi emocionante e mudou minha noção de turismo para todos, além de me emocionar ao vislumbrar um cenário em ruínas e em reconstrução que estudamos desde o tempo da escola. É uma questão de acessibilidade bem resolvida.
Contei tudo isso porque tenho uma sensação maravilhosa ao explorar novos lugares e suas particularidades. Não perdi a noção que no nosso país existem dificuldades sociais e econômicas que ainda não permitem que o turismo faça parte da vida de milhões de brasileiros. Acontece que viajar e passear podem ser experiências dentro do seu estado, no município ao lado ou mesmo conhecer uma parte diferente da sua cidade e do seu bairro, como um parque, um museu (minha paixão) ou um monumento que ainda é inatingível.
Mas percorrer trajetos pressupõe que o cidadão, turista ou não, também vai usar as calçadas para descobrir ambientes agradáveis que estão por perto. A calçada é um problema nacional que prejudica todas as pessoas. Não se sabe o porquê das calçadas serem esburacadas, irregulares, mal conservadas e representarem uma das barreiras mais comuns de cada cidade. Merece uma reflexão sobre até que ponto as pedras portuguesas servem de pavimentação. (deve haver alguma tecnologia para fixá-las corretamente).
Como será resolvida a questão das calçadas para os grandes eventos como a Conferencia Rio+20 (Conferencia das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável), Copa da FIFA e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, respectivamente em 2012, 2014 e 2016? Quisera saber a resposta prática das secretarias da Prefeitura do Rio de Janeiro que são responsáveis por esse aspecto da mobilidade urbana. Com toda a certeza, ter calçadas concebidas e preservadas com desenho universal é um dos mais positivos resultados ou legados desses bilionários eventos para a vida dos cariocas e dos pedestres de qualquer cidade verde e amarela.
Faça de sua viagem aquele momento mágico, em qualquer idade que você estiver, porque turismo é lazer, entretenimento, cultura, direito humano e uma atividade comercial muito importante para a economia das cidades que apostam em oferecer conforto, acolhida, boas atrações, cuidados que fazem você apreciar, querer voltar e recomendar o que foi visitado aos seus amigos. Tenho certeza que os turistas da terceira idade perceberam muito bem a mensagem e vão buscar os caminhos acessíveis em seus destinos escolhidos, sem perder nada, sem se contentar em não estar plenamente incluídos em todas as atividades que a agência de viagens prometeu em contrato a todos os seus clientes. Agora você já sabe e, se dessa vez falhar, na próxima viagem o item acessibilidade no turismo fará parte das suas exigências de cidadão consumidor e contribuinte de impostos. Atualmente, são deixadas de lado, milhões de pessoas daqui e as outras que viriam de fora se pudessem nos visitar, que contribuiriam para ampliar e dar lucro à cadeia da indústria do turismo.
A todas as pessoas desejo uma ótima viagem, principalmente se forem observadoras e fiscais da acessibilidade nos transportes, hotéis, restaurantes, casas de espetáculos, museus, parques e ambientes que deverão ser inclusivos no presente e ainda mais no futuro.
Divirtam-se e até a volta.

Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior*
Docente da Faculdade de Medicina e integrante do Núcleo Interdisciplinar de Acessibilidade da UFRJ.
Consultora, conferencista e especialista em política de inclusão e acessibilidade.